Ciclo e Visão de Produto
Ciclo e Visão: Produto é mais que Feature
Comecei recentemente um MBA em Liderança e Estratégia para Produtos Digitais na Tera. E de partida já tem agregado muito.
Como desenvolvedor, passei anos focado em implementar features da melhor maneira possível, mas sempre tive curiosidade sobre como essas decisões eram tomadas. Quem define o que vale a pena construir? Como saber se estamos no caminho certo?
Neste post, quero compartilhar dois conceitos fundamentais que aprendi nas primeiras aulas: Ciclo de Vida de Produto e Visão de Produto.
Ciclo de Vida de Produto: Tudo tem seu tempo
Antes de mais nada: ciclo de vida de produto não é a mesma coisa que ciclo de desenvolvimento de software. Esse foi meu primeiro “Opa!”.
O ciclo de desenvolvimento (definir problema → planejar solução → desenvolver → entregar) acontece várias vezes ao longo do ciclo de vida de um produto, que segue quatro fases maiores:
- Introdução / Early Stage
- Crescimento / Growth
- Maturidade
- Declínio
O que não é metrificado não é gerenciado
Um dos insights mais valiosos que aprendi é que você sabe em qual fase do ciclo seu produto está através de métricas.
“tudo que é metrificado é gerenciável, tudo que não é, é ingerenciável."
Para acompanhar qualquer produto, precisamos de três tipos de métricas:
Métricas de Negócio
- MRR/ARR (Monthly/Annual Recurring Revenue): receita recorrente mensal/anual
- ARPU/ARPA: receita média por usuário/conta
- LTV/CLTV: valor do cliente ao longo do tempo (lifetime value)
- CAC: custo de aquisição de cliente
- CCR: taxa de conversão de cliente
Métricas de Cliente
- NPS: Net Promoter Score (quão dispostos estão a recomendar seu produto)
- Taxa de churn: quantos clientes estão abandonando o produto
- Funcionalidades mais/menos usadas: entender o que realmente importa
- Pontos de abandono: onde os usuários desistem
- Total de clientes por segmento e faixa de receita: quem são seus usuários mais valiosos
Métricas de Produto
- Número de tickets de suporte: indica problemas ou confusão
- SLA: cumprimento de acordos de nível de serviço
- Custos de suporte: hospedagem, onboarding, engenheiros, desenvolvimento customizado
- Distribuição de recursos de engenharia: quanto está indo para inovação, manutenção e dívida técnica (por valor e porcentagem)
- Variação de cronograma: como está o planejamento vs. realidade
- Bloqueadores-chave: o que está impedindo progresso
Essas métricas variam em importância conforme a fase do ciclo de vida. Vamos ver como:
Introdução: Busca pelo PMF
Nessa primeira fase, o produto está tentando encontrar seu Product Market Fit. Você tem poucas métricas e poucos usuários, e está basicamente tentando entender:
“Como resolver as dores dos usuários da melhor maneira possível?"
Métricas principais: No começo, não existem muitas métricas para avaliar. O foco principal é retenção - você quer ver as poucas pessoas usando muito o produto. Métricas quantitativas são limitadas, então o foco é qualitativo: entender como as pessoas interagem e qual benefício estão extraindo.
O que isso significa para devs: Esse é o momento de aprender mais do que construir. Cada feature deve ser um experimento, cada interação com usuário uma fonte de insights. Não é hora de escalar ou otimizar, é hora de descobrir o que realmente importa.
Crescimento: Expansão e Testes
Agora que você já tem alguma tração, o foco muda para entender o que traz mais usuários e como melhorar sua aquisição e retenção. A pergunta-chave é:
“Quais iniciativas podem alavancar o uso do produto através do topo do funil?"
Métricas principais: Aqui já dá para estabelecer causalidade, mas ainda é difícil relacionar o benefício do produto porque, como está em crescimento, não há como saber se esses usuários continuarão. A chave é entender por que as poucas pessoas que ficaram realmente permaneceram, e focar nisso. Com retenção comprovada, o foco passa a ser entender o que traz mais usuários.
O que isso significa para devs: É hora de pensar em monitoramento avançado. Seu código precisa permitir testes constantes (A/B testing), medições precisas e iterações rápidas. O desafio está em entender o que é correlação e o que é causalidade baseado nos comportamentos de uso.
Maturidade: Simplificação e Otimização
Quando seu produto atinge a maturidade, seus números estão relativamente estáveis. O desafio muda para entender vazamentos no funil e tentar simplificar a proposta de valor para mantê-la relevante.
“Como simplificar o produto para que a proposta de valor continue relevante no mercado?"
Métricas principais: Os principais números são estáveis agora. O foco é compreender vazamentos/furos em todo o funil: por que os usuários deixam de usar o produto? O desafio está em manter uma visão analítica profunda para priorização e constantemente gerar e testar hipóteses que melhorem a proposta de valor - geralmente através da simplificação.
O que isso significa para devs: Refatoração e melhoria de performance se tornam cruciais. É quando aquela dívida técnica começa a pesar, e você precisa simplificar sistemas que foram ficando complexos demais.
Declínio: Inovação ou Disrupção
Eventualmente, seu produto começa a perder relevância. As métricas caem consistentemente, e você precisa decidir se vai inovar ou deixar o produto morrer com dignidade.
“Como mitigar riscos em novas apostas?"
Métricas principais: Há uma queda constante nas principais métricas de uso e recorrência, com impacto consequente nas métricas de negócio. Provavelmente existe um grande buraco no funil que precisa ser entendido - o foco está em descobrir a causa do declínio de uso.
O que isso significa para devs: Pode ser hora de experimentar novas tecnologias ou abordagens radicalmente diferentes. É quando times precisam de inovação tecnológica para revitalizar produtos estagnados. O desafio está em descobrir o que tornou o produto irrelevante e identificar oportunidades-chave que possam reverter o panorama.
Atravessando o Abismo
Um conceito que me chamou a atenção foi o do “abismo” (chasm) entre os primeiros usuários e o público mainstream/geral. Muitos produtos conseguem atrair inovadores e early adopters, mas falham em atingir o grande público.
Para atravessar esse abismo:
- Entenda o ciclo de adoção de tecnologia
- Segmente seu mercado (construa produtos específicos)
- Forneça um produto completo (não apenas alguns features legais)
- Conheça sua competição e adeque sua proposta de valor
Isso me lembrou quantos projetos open source são hypados, mas nunca conseguem atingir as massas. Uma API elegante não é suficiente se a proposta de valor não estiver clara para o público mainstream.
Visão de Produto: A bússola do time
Outro conceito fundamental que aprendi foi sobre Visão de Produto. Não é um slogan, não é um roadmap, é algo muito mais profundo.
A visão de produto responde à pergunta: “Por que estamos criando esse produto?" É o futuro que o produto irá criar, mesmo que seja apenas um pouquinho.
Visão é viagem; cabeça nas nuvens, nas estrelas.
Visão é para se inspirar.
Por que a visão importa?
- Funciona como uma bússola para as decisões do time
- Inspira pessoas a criar produtos fantásticos
- Conecta o trabalho a um significado e impacto maior
- Orienta o uso de novas tecnologias e tendências
Para mim, essa foi uma revelação. Como dev, frequentemente me pergunto “por que estamos construindo isso?”. Ter uma visão clara evita esse tipo de frustração e mantém todos alinhados com um propósito maior. E nunca senti que isso foi me comunicado pela gerência.
Como estruturar uma visão de produto: O Product Vision Board

O “Product Vision Board” divide a visão em componentes essenciais. Um ponto importante: ao montar o board, seja generalista e mantenha-se no alto nível - use apenas 1-2 post-its por seção.
1. Grupo Alvo: O usuário é o foco da visão
Esta seção define para quem estamos construindo o produto:
- Que mercados ou segmentos este produto quer atingir?
- Foque no mercado mainstream (não apenas early adopters, a menos que seja o objetivo)
- Busque mercados economicamente relevantes (novamente, a menos que seu produto tenha outro propósito)
- Seja generalista, mas bem definido
- Quem são os clientes/usuários alvo?
- Defina claramente o perfil do usuário ideal
2. Necessidades: Como o produto resolve problemas reais
Aqui você define o valor que o produto entrega:
- Qual problema específico o produto resolve?
- Qual benefício ele provê? Qual a proposta de valor?
- O que está facilitando na vida das pessoas?
- Que mudança positiva ele traz?
- Se há vários grupos-alvo, preencha necessidades específicas para cada um
3. Objetivos de Negócio: Como gera valor para a empresa
Esta parte conecta o produto aos objetivos comerciais:
- Como o produto vai beneficiar a companhia?
- Quais são os objetivos de negócio?
- Importante: esses objetivos devem vir da liderança de negócios da empresa
- Converse com stakeholders para entender o que realmente importa para a organização
4. Produto: Tecnologia e experiência como ponte
Aqui descrevemos o produto em si:
- O que é o produto concretamente?
- O que faz este produto ser diferente dos outros?
- É a experiência do usuário (UX)?
- É o atendimento ao cliente?
- É o suporte técnico?
- É possível criar esse produto com os recursos disponíveis?
5. Visão: O propósito maior
Esta é a síntese que conecta todos os elementos anteriores:
- Qual o propósito para criar esse produto?
- Que mudança positiva ele vai trazer para o mundo?
- Pode (e deve) ser inspiradora e grandiosa
- A visão não precisa ser modesta - ela pode e deve ser ambiciosa
Muitos times de desenvolvimento trabalham sem uma visão clara, o que acaba criando produtos incoerentes e decisões questionáveis.
Aplicando esses conceitos na engenharia
Como essas ideias impactam nosso dia a dia como engenheiros de software? Algumas reflexões:
1. Meça o que importa
“O que não é metrificável é ingerenciável."
Em cada fase do ciclo de vida, diferentes métricas importam:
- Na introdução, foque em retenção e feedbacks qualitativos
- No crescimento, meça conversão e custo de aquisição de clientes
- Na maturidade, monitore vazamentos no funil e simplicidade de uso
- No declínio, acompanhe o impacto de novas apostas
Como devs, precisamos construir instrumentação que capture esses dados corretamente.
2. Construa para a fase atual
O código que você escreve para um produto em fase de introdução deve ser diferente do código para um produto maduro:
- Em produtos iniciais: priorize velocidade e flexibilidade
- Em produtos em crescimento: foque em testabilidade e instrumentação
- Em produtos maduros: otimize performance e manutenibilidade
- Em produtos em declínio: considere componentização para reuso em novos produtos
3. Conecte código à visão
Antes de implementar qualquer feature, pergunte:
- Como isso se alinha com a visão do produto?
- Qual problema do usuário isso resolve?
- Como saberemos se foi bem-sucedido?
Essas perguntas simples podem evitar meses de trabalho desperdiçado.
Quer aprender mais sobre esse tema? O livro “Atravessando o Abismo” (Crossing the Chasm) de Geoffrey A. Moore é uma leitura essencial para entender as diferentes fases de adoção de tecnologia.
E Simon Sinek tem um ótimo TEDx talk sobre a importância de começar pelo “por quê”.